Mário César Scheffer: não faltam médicos no Brasil
Problema, segundo coordenador da pesquisa Demografia Médica no Brasil, é a concentração de profissionais em mercados ricos
Da Redação

O pesquisador Mário César Scheffer: Brasil tem cerca de 180 mil médicos que não possuem especialização e apenas metade dos estudantes de medicina consegue fazer residência médica (Foto: Divulgação)
Coordenador da pesquisa Demografia Médica no Brasil, patrocinada pelo Conselho Federal de Medicina, o professor da USP Mário César Scheffer não acredita que a contratação de médicos estrangeiros seja a solução para a assistência básica no interior do país e nas periferias das grandes cidades. “Dos 7.200 médicos que tiveram diplomas revalidados em um ano, 44% foram trabalhar na Região Sudeste. E 16% especificamente na Grande São Paulo”, afirmou Scheffer, em entrevista à Diagnóstico. Crítico da estratégia apresentada pelo governo, o professor realça que não faltam médicos no Brasil e defende que a melhor forma de assegurar a presença de profissionais brasileiros em localidades remotas é oferecer infraestrutura para o exercício da profissão. “É preciso criar incentivos para manter os médicos distantes dos grandes centros, como a possibilidade de continuar se especializando”, aconselha o acadêmico.
A criação de uma carreira médica nos moldes do que acontece com os juízes – com mobilidade e salários proporcionais – é uma boa alternativa para servir o interior?
Sim. No segundo mandato do presidente Lula, o então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, elaborou um plano de carreira federal, mas a ideia não foi adiante. É uma medida importante, mas não a única. É preciso criar incentivos para manter os médicos distantes dos grandes centros, como a possibilidade de continuar se especializando. Além disso, o médico não vai ficar se não tiver uma infraestrutura adequada e nem como encaminhar pacientes.
Qual o impacto da má distribuição de médicos no país nos escores de desempenho da saúde pública?
A presença de médicos por si só não determina o desempenho que uma região tem em termos de saúde pública. Claro que a falta de acesso a médicos influi, mas o estudo mostra que há uma coincidência entre falta de médicos e outros problemas sociais, como falta de saneamento e de educação adequada.
Que papel pode caber à telemedicina na ampliação da cobertura médica no Brasil?
Toda tecnologia pode ser útil, principalmente onde há poucos profissionais de saúde. A telemedicina, nesses casos, é imprescindível, mas é apenas um paliativo.
O senhor conhece de perto o SUS. A política ainda influencia muito a gestão da saúde pública brasileira?
A não destinação de mais recursos para o setor, a recusa em aplicar os 10% da receita bruta da União na saúde são exemplos de decisões políticas equivocadas. E a ANS foi capturada pelo mercado e é permissiva com um setor que não entrega o que foi prometido.
Na sua opinião, o sistema único de saúde ainda é viável?
Apesar de suas deficiências, o SUS tem bases sólidas. Mas há uma aposta contra uma saúde pública, eficiente e gratuita no Brasil, que tem tudo para ser tão boa em nosso país quanto na Inglaterra, onde o modelo é referência internacional. A discussão é até que ponto o privado pode ser compatível com um sistema universal.
Quais as maiores dificuldades que o governo terá para pôr em prática o plano de abertura de novas faculdades de medicina nos rincões do país?
Mais importante do que abrir novas graduações é oferecer especialização. Há 180 mil profissionais que não são especialistas, contando os que acabaram de sair da faculdade e os que estão perto de se aposentar. Só há vagas de residências para 50% dos estudantes. A metade pior não vai ter residência. Isso não seria um problema se a graduação fosse ótima.
Há um lobby contrário à contratação de médicos estrangeiros no Brasil?
Flexibilizar a revalidação não seria justo com quem atualmente sofre com a ausência de médico. Em algumas faculdades na Bolívia, os estudantes não têm aulas práticas nem cumprem os dois anos de internato. E não resolveria o problema da distribuição. Dos 7.200 médicos que tiveram diplomas revalidados em um ano, 44% foram trabalhar na Região Sudeste. E 16% na Grande São Paulo.
*Entrevista publicada na revista Diagnóstico n° 20.